Murilo Araújo: o menino que foi morto pelo sino da Matriz de Conselheiro Lafaiete

 


Na noite de 29 de maio de 1929, o então município de Queluz, hoje Conselheiro Lafaiete, em Minas Gerais, viveu um dos episódios mais trágicos e comoventes de sua história. Um menino de apenas 13 anos, Murilo Araújo (1916–1929), perdeu a vida de maneira brutal ao cair da torre da Igreja Matriz, após ser tragicamente atingido pelo sino em movimento.

Era véspera de Corpus Christi, e, como de costume, a torre da igreja seria usada para anunciar aos fiéis os atos litúrgicos do dia seguinte. Murilo, acompanhado de outro garoto, subira à torre da Matriz para auxiliar o sacristão Marcos Mariano na tarefa de dobrar o grande sino. O vigário responsável na época era o estimado padre Oliveira Barreto.

Em meio aos preparativos, Murilo aproximou-se inadvertidamente demais do sino em movimento. O gancho da corrente que impulsionava o sino prendeu-se à sua roupa e o lançou para fora da torre. O corpo do menino despencou de uma altura de aproximadamente 20 metros, chocando-se violentamente contra o calçamento diante da igreja.

Inúmeras pessoas presenciaram o acidente, pois muitas se encontravam reunidas nas barraquinhas à frente da Matriz, algumas apreciando os toques litúrgicos da torre. O horror da cena deixou a população em estado de choque. O médico Vitorino dos Santos Ribeiro, que estava no Cine Central, foi imediatamente chamado, mas nada pôde fazer: o menino já agonizava.

A notícia se espalhou rapidamente pela cidade e pelos arredores. A princípio, muitos se recusavam a acreditar. Como registrou o jornal O Tempo: “O boato da lamentável ocorrência, a princípio posto em dúvida, tal a brutalidade do fato, depressa se confirmava, enchendo de franco pesar a todos”[1].

        A tragédia ganhou repercussão nacional. O jornal A Noite, um dos mais importantes do país à época, estampou em suas páginas o triste acontecimento com o título: “Um menor vítima de um horrível desastre”[2].

Em sinal de respeito, o Grêmio Dramático Placidina de Queiroz, que vinha apresentando com sucesso a peça O Tiradentes no Cine Avenida, cancelou sua sessão.[3] A cidade estava enlutada.

Murilo foi sepultado no dia seguinte, 30 de maio, no Cemitério Nossa Senhora da Conceição. Apesar da forte chuva, a comoção foi tamanha que a população compareceu em grande número para prestar suas homenagens. Representando o Grupo Escolar Domingos Bebiano, onde Murilo estudava, o professor José Augusto de Rezende proferiu uma sentida oração ao baixar o corpo do aluno à sepultura.

Filho de José Teixeira de Araújo — descrito pela imprensa como um “hábil dentista”[4] — Murilo pertencia a uma família tradicional da região. Seu pai também exerceu os cargos de delegado substituto de Polícia, fiscal da Câmara Municipal e era fazendeiro no distrito de Morro do Chapéu (hoje Santana dos Montes). Murilo tinha vários irmãos: Clara, Daniel, José e Estelita.

Com o passar dos anos, o túmulo do menino Murilo, cercado por grades, passou a ser visitado não apenas por curiosos, mas por pessoas que atribuem a ele graças alcançadas. Seu nome permanece vivo no imaginário da cidade.

 

          Uma Segunda Tragédia

O luto da comunidade ainda ganharia mais um capítulo sombrio. Exatos 296 dias após a morte de Murilo, em 21 de março de 1930, outra tragédia abalaria Queluz. O sacristão Marcos Mariano, que estava com Murilo na noite fatídica, morreu ao cair de uma escada enquanto cortava galhos da grande paineira em frente à Matriz.

Marcos uniu duas escadas e subiu a uma altura de aproximadamente oito metros, de onde, com um machado em mãos, iniciou os cortes. Um dos galhos, porém, quebrou-se subitamente, atingindo as escadas e causando sua queda violenta ao chão. Apesar do socorro imediato e dos cuidados do Dr. Narciso de Queiroz, nada pôde ser feito. “A triste ocorrência causou profundo e sincero pesar, pois Marcos Marinho era estimado por toda população”[5], noticiou o Jornal de Queluz.

O enterro de Marcos realizou-se no dia seguinte, às 10 horas, com ampla participação popular. O padre Oliveira Barreto, novamente presente em um momento de dor, proferiu um emocionado discurso em memória do fiel colaborador da paróquia.[6]

 

         A Imortalidade da Memória

Durante a pesquisa histórica que embasou este artigo, realizada com base em fontes primárias da imprensa da época, veio à tona um soneto, sem assinatura do autor, publicado poucos dias após a morte de Murilo, no jornal Correio da Semana:

 

A MORTE DO SINEIRO

Sons desordenados, atira pelo espaço

Um sino, a badalar, perdidamente,

Por haver se desprendido do seu braço

Quem o tocava compassadamente.

 

E a turba de fiéis, célere, corre

Pressurosa de ver o que ocorria,

E o pobre do sineiro arqueja e morre

Ensanguentado sobre a laje fria.

 

Ruflando as asas, o celeste bando

De anjos alegres em ascensão tão linda

Deixa na terra seus pobres pais chorando.

 

Na imensa dor, que se lhes não consolo,

E ao som do sino que reboa ainda

Leva sua alma pura que se evola.[7]

 

O episódio da morte de Murilo Araújo permanece como um dos acontecimentos mais impactantes da história de Conselheiro Lafaiete. Um acidente que chocou, enlutou e, ao mesmo tempo, gerou uma aura de mistério e reverência. Quase um século depois, o menino que foi morto pelo sino da Matriz ainda desperta lembrança, oração e respeito — como símbolo de uma inocência interrompida de forma brutal, mas também como figura de fé para muitos.

 

Paulo Henrique de Lima Pereira

Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais
Academia de Ciências, Letras e Artes de Congonhas
Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette
Instituto Histórico e Geográfico de Congonhas

  

Outras fontes: Actualidade, 20 de fevereiro de 1879; Gazeta de Queluz, 11 de outubro de 1908; Jornal de Queluz, 5 de abril de 1930; O Democrata, 20 de abril de 1924; O Democrata, 20 de janeiro de 1924; O Democrata, 27 de janeiro de 1924; O Tempo, 15 de agosto de 1928; O Tempo, 27 de junho de 1928; O Tempo, 4 de julho de 1928; O Tempo, 8 de janeiro de 1930.



[1] O Tempo, 5 de junho de 1929, p. 4.

[2] A Noite, 30 de maio de 1929, p. 7.

[3] Tempo, 5 de junho de 1929, p. 2.

[4] Gazeta de Queluz, 11 de outubro de 1908.

[5] Jornal de Queluz, 5 de abril de 1930, p. 2.

[6] Jornal de Queluz, 5 de abril de 1930.

[7] Correio da Semana, 15 de junho de 1929, p. 4.

Comentários

  1. Obrigado primo, por este triste, mas rico texto, dá morte do menino Murilo e de Marcos Mariano. Confesso que não sabia!

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  2. Muito interessante,conhecer os fatos reais de sua cidade, não sabia, parabéns pelo rico estudo.

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