Pároco cancela Semana Santa em Conselheiro Lafaiete
No dia 12 de março de 1927, a Estação Ferroviária Lafayette estava lotada. Todos os habitantes do município de Queluz, hoje Conselheiro Lafaiete, desejavam conhecer o substituto do padre Américo Adolpho Taitson (1857/1934), que foi vigário da Matriz de Nossa Senhora da Conceição por 42 anos, um dos sacerdotes mais importantes da história da cidade.
Quando aportou do trem, padre José de Oliveira Barreto foi calorosamente recebido por uma comitiva liderada pelo ex-pároco Américo. Após a apresentação da Banda Santa Cecília, o sacerdote assistiu aos discursos dos farmacêuticos Waldemar Wipsilander e Francisco Franco. De acordo com o Jornal de Queluz, o sacerdote os agradeceu com uma “palavra fácil e expressiva”[1]. Em seguida, padre Barreto seguiu para a residência de Maria Campolina, onde ficaria hospedado, local onde recebeu a manifestação de diversos fiéis e, sem seguida, ouviu as eloquentes orações proferidas por Ary Vieira e professor Pedro Justino. No dia seguinte, na matriz, padre Barreto participou da cerimônia de investidura, tornando-se o novo vigário de Conselheiro Lafaiete.
Nas semanas seguintes, Barreto começou a demonstrar sua piedade, habilidades, proatividade e atitudes carismáticas que marcariam sua trajetória em Lafaiete. Em maio, ele iniciou os aos festejos em comemoração ao mês da Santíssima Virgem, tendo se destacado o palco montado por ele e instalado em frente ao altar principal para que as crianças coroassem a imagem de Maria de forma digna.
No dia 3 de maio, com grande pomba, começaram os festejos marianos com uma procissão saindo da extinta igreja de Nossa Senhora do Carmo até a matriz. Ao logo do trajeto, acompanhado por devotos e membros de diversas entidades religiosas, foi possível apreciar a beleza das casas iluminadas pelo “colorido das lanternas” e das bandeirinhas agitadas pelos participantes. Ao chegarem ao destino, os fiéis ficaram encantados com a beleza do palco preparado pelo próximo pároco. “A matriz, ornamentada artisticamente, estava deslumbrante, principalmente o altar, no qual cintilavam lâmpadas de várias cores e se levantavam palmas douradas”, descreveu o Jornal de Queluz. “Ao fundo do altar, uma cruz luminosa, em campo escuro, polvilhado de estrelas, também luminosas, era um quadro admirável, que aos fiéis encantou sobremodo”. Iniciados em 3 de maio, os festejos criados pelo padre Barreto continuaram até 5 de junho daquele ano de 1927, e seriam realizados durante décadas.
Em junho, após obter alguns fundos, padre Barreto começou a substituir o antigo assoalho de madeira da matriz por ladrilhos modernos doados pelo senhor Duarte Pimental, diretor da Companhia Santa Matilde. O madeiramento antigo foi aproveitado na reforma do assoalho da capela do Sangrado Coração de Jesus.
Em cumprimento de uma promessa, padre Barreto realizou um tríduo e festa em honra ao glorioso mártir São Sebastião, entre os dias 22 e 25 de outubro. As missas e procissões foram acompanhadas pela Banda Santa Cecília, comandada pelo maestro Alexandre Ramos. A renda obtida com as quermesses realizadas todos os dias, após os atos litúrgicos, foi direcionada para a reforma da matriz e a aquisição de um relógio novo para ser instalado em sua torre. Ao noticiar os fatos, o jornal carioca Gazeta de Notícias classificou o pároco de Queluz como “ilustre, abnegado, pastor, oficial, pintor e artista, e mais ainda, o remodelador da matriz”[2].
Em 6 de janeiro de 1928, ocorreu a primeira reunião para a organização da Semana Santa. Após decidir que, naquele ano, as procissões também seriam conduzidas até a igreja de São Sebastião, localizada no bairro Lafayette, o padre Barreto nomeou uma equipe para organizar os festejos, sendo ela composta por José Mendes, André Rodrigues, José do Carmo Pinheiro, José Francisco e Oscar Lima.
De acordo com o papa São Pio X, durante a Semana Santa, celebramos os maiores mistérios operados por Nosso Senhor Jesus Cristo para nossa salvação. No entanto, além de ser uma cerimônia religiosa, o evento fazia parte do calendário social das pessoas, sendo aguardado com muita expectativa.
Em fevereiro, por exemplo, a Sapataria da Moda, localizada na Rua Tavares de Melo, nº 19, estampava anúncios nos principais jornais da cidade com a seguinte mensagem: “completo sortimento de calçados confeccionados especialmente para as solenidades da Semana Santa deste ano”[3].
Pois bem, poucos dias depois, considerando que alguns itens litúrgicos não estavam em boas condições e não era possível comprá-los, uma vez que a matriz estava em reforma, o padre Barreto decidiu suspender a realização da Semana Santa com grandes cerimônias públicas, limitando-a às celebrações rezadas normalmente na igreja. Na ocasião, o sacerdote explicou aos paroquianos que o Código de Direito Canônico determinava que, em todas as cerimônias sagradas, desde as mais simples até as mais pomposas, era imprescindível observar o respeito, a sublimidade, o decoro e a dignidade necessária.
Imediatamente, a notícia se espalhou por toda a cidade. Apesar de o sacerdote ter explicado seus motivos aos paroquianos, muitos ficaram indignados com a atitude dele. O Correio da Semana foi o primeiro a se manifestar. No dia 27 de março, o jornal censurou o fato de a Semana Santa ser cancelada em Queluz e acontecer em distritos com menos recursos, como Itaverava, Alto Maranhão, Cristiano Otoni e Santana. De acordo com o periódico, o ex-pároco Américo celebrava as solenidades com pompa. Depois afirmou que, há 40 anos, a Semana Santa não era cancelada no município. Para terminar, lamentou: “É triste, mas é isso que se verifica. Pobre Queluz que retrocede nesse ponto”.[4]
No dia seguinte, outro jornal do município resolveu protestar. Em manchete publicada na capa, O Tempo destacou: “Não se realizarão, nesta cidade, os tradicionais festejos da Semana Santa!”. Na página seguinte, o articulista disse que todos já sabiam de que o pároco havia cancelado a solenidade que, há dezenas de anos, era celebrada de forma ininterrupta. Em seguida, terminou: “Pela vez primeira semelhante fato se dará aqui, com grande e justificado desgosto da população, que é toda católica. É de lastimar que um critério apenas pessoal rompa, assim, com as velhas tradições locais a respeito. Uma simples pergunta: Porque?”.[5]
A ocorrência ultrapassou as fronteiras geográficas, sendo divulgada em importantes periódicos nacionais. O Jornal do Comércio, por exemplo, assegurou que as celebrações foram suspensas “por motivos de ordem financeira”.[6]
Devido às proporções tomadas, padre Barreto redigiu uma nota explicando os motivos do cancelamento da Semana Santa, que foi publicada nos periódicos locais Correio da Semana e Jornal de Queluz.[7] O sacerdote iniciou o documento enfatizando que, embora os fiéis já tivessem conhecimento dos motivos que levaram a cancelar os grandes atos litúrgicos, era necessário esclarecê-los aos leitores devido aos questionamentos publicados. Posteriormente, ele listou os nove motivos:
1º - Estado deplorável das vestes que ornam as imagens de Nosso Senhor dos Passos e Nossa Senhora das Dores, as quais, por serem antigas e muito usadas, não se prestam mais para as solenidades do culto festivo.
2º - Falta de uma orquestra conveniente para essas solenidades que sempre se revestiram de pompa noutros tempos.
3º - Falta de paramentos indispensáveis e adequado às funções do culto divino, pois atualmente a Matriz apenas têm os necessários para as pequenas solenidades e só para a função de um Ministro sagrado, quando na Semana Santa se requerem, pelo menos, três.
4º - Falta de uma cabeleira digna para a imagem dos Passos.
5º - Falta de andores decentes, pois os atuais exigem outros mais nobres.
6º - Falta de um pálio para a procissão do Enterro que cubra todo o esquife do Redentor.
7º - Falta de um pendão para o desfile das procissões.
8º - Falta de uma grande cortina preta para o Calvário; a existente está remendada e não suporta mais o seu próprio peso.
9º - Fala, em fim, de numerário suficiente para a aquisição desses guisamentos indispensáveis e que atualmente não se adquirem por menos de 6:000$000?
Padre Barreto relembrou-lhes que a matriz estava sendo reformada, o que despendia muitos gastos. Ao contrário do que havia sido divulgado pelo Correio da Semana, ele afirmou que Queluz não retrocedia no “sentido espiritual”, uma vez que o mesmo periódico frequentemente elogiava as realizações dele, tanto materiais quanto espirituais. “Basta uma visita à matriz e um olhar observador e justiceiro sobre o movimento paroquial durante a minha administração, para melhor esclarecimento da verdade”, assegurou.
O sacerdote disse que era mentira a afirmação de que a Semana Santa não era cancelada na cidade há 40 anos, pois o ex-pároco Américo lhe disse que isso acontecera diversas vezes, sendo a última delas quando houve a reforma da matriz, em 1915. Segundo ele, a paróquia deveria comprar todos os objetos necessários para o culto divino “para não se expor ao ridículo, pois a cidade de Queluz, nos dias atuais, exige que os seus atos religiosos sejam revestidos de maior grande e solenidade do que os de outrora”.
O pároco de Queluz disse que a Semana Santa seria realizada com grande sucesso em 1929, quando seriam apresentadas orquestras com composições de Ribeiro Bastos, padre Correia de Almeida, João da Matta e padre José Maria Xavier, além de pregadores como padre João Gualberto e cônego Marinho. Por último, ele afirmou que as cerimônias litúrgicas seriam celebradas na matriz a partir da Quinta-Feira Santa.
De acordo com a previsão, as celebrações litúrgicas ocorreram de forma modesta nas igrejas de Conselheiro Lafaiete de Quinta-feira Santa até o Domingo de Páscoa. Segundo O Tempo, a cidade permaneceu “quase que completamente erma” durante a Semana Santa.
No Sábado Santo, quando todos cantariam o famoso Exulte: “Exulte o céu e os anjos triunfantes / Mensageiros de Deus desçam cantando / Façam soar trombetas fulgurantes / À vitória de um Rei anunciando”, os habitantes de Lafaiete não deixaram de louvar a Vigília Pascal, como registrou O Tempo:
Os apitos das máquinas da Central e as sirenes do 5º depósito dessa via-férrea se fizeram ouvir, como de costume, em alegre coro lembrando a aleluia, os velhos sinos da nossa vetusta matriz, adormecidos sobre a grandiosa significação de um tão belo dia para o mundo católico, permaneceram inexplicavelmente mudos e quedos no alto de suas esborcinadas torres.[8]
Como prometido, a Semana Santa foi realizada com dignidade no ano seguinte, em 1929. As cerimônias foram oficializadas pelo padre Barreto e auxiliadas pelos padres Américo, José Lobo da Silveira e José Sebastião Moreira, este coadjutor da matriz e seu futuro pároco. As procissões aconteceram entre a matriz, igreja São Sebastião e capela de Nossa Senhora do Carmo, e foram acompanhadas pela Banda Santa Cecília. Os demais ofícios religiosos foram executados exímia orquestra. Os sermões foram conduzidos pelo padre Symphrônio de Castro, um ilustre sacerdote barbacenense, que foi biografado pelo Dr. Antônio Carlos Albuquerque, meu confrade no Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG).[9] Embora as chuvas tenham causado certo incômodo, os atos foram acompanhados por uma “numerosa concorrência popular” [10], o que certamente marcou a memória daqueles que participaram daqueles momentos.
Paulo Henrique de Lima Pereira
Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais - IHGMG
Academia de Ciências, Letras e Artes de Congonhas - ACLAC
Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette - ACLCL
Instituto Histórico e Geográfico de Congonhas - IHGC
[1] Jornal de Queluz, 19 de março de 1927.
[2] Gazeta de Notícias, 27 de agosto de 1927.
[3] O Tempo, 8 de fevereiro de 1928.
[4] Correio da Semana, 27 de março de 1928.
[5] O Tempo, 28 de março de 1928.
[6] Jornal do Comércio, 5 de abril de 1928.
[7] Jornal de Queluz, 31 de março de 1928; Correio da Semana, 9 de abril de 1928.
[8] O Tempo, 11 de abril de 1928.
[9] ALBUQUERQUE, Antônio Carlos. Symphrônio Augusto de Castro: uma contribuição para o resgate da cidadania. Belo Horizonte: Editora O Lutador, 1997.
[10] O Tempo, 3 de abril de 1929.
Muito legal! Não conhecia essa história. Parabéns pelo trabalho, meu amigo! Pouca gente pesquisa a história de Lafaiete
ResponderExcluirMaravilhoso texto. Parabéns Paulo Henrique por essa pesquisa e seu novo blog ta demais,muito bom. Mais um blog para acrescentar na história de Lafaiete e Congonhas.
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