Padre Antônio Corrêa: o homem que não quis ser bispo

 


 

A Rua Padre Antônio Corrêa, no coração de Congonhas, é uma das mais conhecidas pelos moradores. No entanto, lamentavelmente, poucos deles têm conhecimento da trajetória do personagem que dá nome ao logradouro público. Por isso, apresentamos um pouco de sua história.

 

Natural de Lagoa Santa (MG), Antônio Emídio Corrêa nasceu no dia 16 de setembro de 1871, filho de Ana Joaquina da Conceição e do professor Raimundo Nonato Correia. Teve cinco irmãos: Raimundo Nonato Corrêa Filho, Maria Corrêa, Luiza Maria de Jesus, Ana e Doninha Corrêa.

 

Em 1887, aos 16 anos, Antônio matriculou-se no Seminário de Mariana. Após longos estudos, ordenou-se sacerdote em 21 de abril de 1896. Em seguida, tornou-se professor do Caraça (1896/1897) e do Seminário de Mariana (1897/1902). Durante os primeiros anos de sacerdócio, ele esteve em Congonhas diversas vezes, principalmente nas festividades do jubileu do Bom Jesus. 

 

De 1897 a 1904, os religiosos maristas dirigiram um colégio em Congonhas, a primeira instalação da Congregação Marista no Brasil. Em suas memórias, o irmão Aloísio salientou os relevantes serviços prestados pelo padre Corrêa, enfatizando que, devido à sua bondade com os maristas, especialmente por ter sido o diretor espiritual do educandário, “o Bom Jesus o haverá recompensado no céu”. E relatou uma ocorrência de 1899:

 

No meio das festas jubilares [do jubileu], o padre Antônio soube que um certo jornalista de Belo Horizonte havia redigido um artigo contra a religião, contra dom Silvério, contra o Santuário e seus administradores e principalmente com os “frades estrangeiros”, que ora dirigiam o Colégio do Bom Jesus, padre Corrêa teve notícia de tal artigo e soube descobrir o paradeiro do jornalista; foi ter com ele no quarto do hotel e, em fortíssima discussão, refutou o artigo frase por frase até que finalmente convenceu e determinou ao articulista a queimar – ele mesmo – o papel ímpio e difamador. [1]

 

Em 1903, padre Corrêa tornou-se professor do Colégio Marista em Congonhas, a cidade que marcou sua história, onde lecionou Português e Latim, além de ter atuado como diretor espiritual. Depois, por poucos meses, foi capelão do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos.

 

No ano seguinte, o vigário da matriz Agostinho de Souza foi transferido para a Igreja da Boa Viagem, em Belo Horizonte, mas não tomou posse, pois atendeu “aos pedidos que unanimemente lhe fizeram os seus paroquianos de Congonhas do Campo”[2]. Padre da Igreja de Nossa Senhora da Conceição por muito tempo, ele era amado pelos fiéis, especialmente pelo seu trabalho espiritual. Sobre a sua atuação, o repórter do jornal O Pharol testemunhou:

 

Para este tradicional arraial segui Sexta-feira da Paixão, afim de ali assistir às cerimônias da procissão do enterro, a qual esteve muitíssimo concorrido, sendo para sua realização obedecida todas as formalidades do ritual, graças ao zeloso e inteligente vigário daquela freguesia, o reverendo padre Agostinho de Souza, que tudo faz em prol da nossa religião. Enorme foi a quantidade de romeiros que para ali afluiu, afim de assistir os festejos da Semana Santa. Belíssimo foi o sermão produzido pelo padre Agostinho, o qual versou sobre as sublimidades das cerimônias e tradições do dia. [3]

 

No início de 1906, deixando os fiéis contrariados, padre Agostinho renunciou ao seu cargo. Emocionado com o carinho recebido, ele redigiu uma carta de despedida que foi publicada no jornal Gazeta de Queluz:

 

Aos meus amigos e ex-paroquianos da freguesia de Congonhas e suas capelas filiais venho trazer nestas linhas as minhas despedidas. Foram tantas as atenções, que recebi deste bom povo, que me tiram o ânimo de pessoalmente despedir-me. À todos Deus por mim recompensará. Em Rosário de Chapéu D'Uvas, município de Juiz de Fora, me ponho à disposição de todos.[4]

 

No dia 11 de março, padre Antônio Corrêa tomou posse como vigário de Congonhas. Ao chegar, a situação da freguesia era bastante difícil devido às divisões administrativas da região – na época o município era dividido em dois distritos, administrados por cidades distintas, sendo que um lado do Rio Maranhão pertencia a Ouro Preto e o outro a Conselheiro Lafaiete. A controvérsia, que durou muitas décadas, era conhecida por todos. Sobre a posse do novo pároco, o jornal A União comentou:

 

Traz para nós a sua ilustração e virtudes, geralmente conhecidas e admiradas, além de um espírito de escol e fino trato social. Bem vindo seja. Bom seria que o bispo lhe confiasse não só a paróquia, como também a administração do nosso importante Santuário. Sacerdote prudente, já conhecedor do lugar, amável e benquisto de todos, o padre Corrêa poderia entre seus colegas e amigos escolher os seus colaboradores e assim evitar-se-ia essa luta de anos entre sacerdotes, filha de antigas rivalidades entre parte arraial pertencente à Ouro Preto e a parte do município de Queluz.

 

Duas potências independentes, duas cabeças governantes, em distritos diferentes da mesma paróquia, estimuladas por duas correntes antagonistas já de priscas eras, não só poderiam unir numa só para o bem do lugar e da religião? A freguesia de Congonhas do Campo é das mais importantes e espinhosas do bispado e tem sua glória, a de ser a pátria do Sr. Dom Silvério.

 

Durante cinco anos, o padre Antônio Corrêa foi o vigário da Matriz, tendo realizado grandes trabalhos espirituais, sociais e políticos, deixando uma marca profunda na alma dos habitantes de Congonhas.[5] 

 

Nas décadas seguintes, paroquiou em outras localidades da Arquidiocese de Mariana, como Carmo de Itabira (1911/1912), Glória do Muriaé (1912/1913), Itabirito (1913/1915) e Visconde do Rio Branco (1915/1940). Nesta última localidade, sua atuação foi tão relevante que, no livro “Visconde do Rio Branco”, escrito por Oiliam José em 1951, o sacerdote é apresentado em um dos capítulos da obra.

 

Uma das ocorrências mais significativos na trajetória do religioso aconteceu em 1919. No Consistório Secreto de 3 de julho, Antônio Corrêa foi nomeado bispo pelo papa Bento XV para assumir a diocese de Guaxupé.[6] Em poucos dias, a notícia se espalhou pelo país causando grande comoção. No artigo “Quem é o bispo de Guaxupé”, assinado pelo congonhense Rodolfo das Mercês de Oliveira Pena, pároco de Entre Rios de Minas e futuro bispo, ele elogiou com louvores o nome escolhido, pois se tratava de um “vigário modelo”. Segundo ele, “um dos ornamentos mais brilhantes do nosso clero por suas peregrinas virtudes sacerdotais, por seus dotes intelectuais e pelos serviços espirituais e materiais prestados à religião em nossa arquidiocese”.

 

Conhecendo bem o eleito, padre Rodolfo confirmou a possibilidade de que Antônio Corrêa não aceitasse ser sagrado bispo, pois ele, “admirável e querido”, cultivava a “simplicidade e a modéstia”. Profetizando, Rodolfo escreveu:

 

Posso garantir que a sua humildade fará o possível para renunciar a pesada responsabilidade do episcopado, para o qual ele, um dos mais dignos, capacita-se de indigno, um dos mais fortes e preparados, julga-se fraco e desprevenido.[7]

 

Após muitas lutas e insistências, a Santa Sé suspendeu a sagração de Antônio Corrêa como bispo católico, um dos eventos mais significativos da sua vida. Em 1940, após 25 anos, o sacerdote deixou a paróquia de Visconde do Rio Branco, após ter assinalado serviços muitos serviços materiais, como reformas, construções, acabamentos de igrejas e edificações de cemitérios.

 

Sem demora, ele pediu ao Arcebispo de Mariana, Dom Helvécio Gomes de Oliveira, “permissão de ficar em sua querida Congonhas, que sempre lhe consagrou a mais sincera amizade”, conforme relatou o bispo Rodolfo. Durante os cinco anos seguintes, mesmo adoentado e livre do múnus paroquial, ele continuou prestando serviços aos moradores com muito carinho, sendo constantemente solicitado por seus colegas, que lhe solicitavam sermões e substituições em suas paróquias. 

 

No dia 14 de dezembro de 1945, após uma longa enfermidade, o padre Antônio Emídio Corrêa faleceu, aos 71 anos de idade, em Congonhas, cidade que ele tanto amou. Ao noticiar a sua morte, o jornal Gazeta de Paraopeba relembrou uma das passagens mais interessantes de sua trajetória: “Virtuoso e dedicado à vida sacerdotal, muito serviços prestou à religião católica e, por humildade, declinou de aceitar a dignidade episcopal com que distinguido”[8].

 

Sobre a vida do sacerdote, dom Rodolfo das Mercês registrou:

 

O padre Corrêa foi deveras um sacerdote bom em toda a extensão da palavra. Foi também um grande orador. Sem exagero afirmo ter sido ele um dos melhores que já ouvi, para não dizer o melhor. Simpatia fora do comum, metal de voz muito agradável, pronúncia claríssima, gesticulação sóbria, principalmente acompanhados de uma oração, sempre impecável na doutrina vazada em linguagens a mais correta, tudo isso o fazia sempre ouvido com prazer e frutos pelos ouvintes, que em quase toda a Arquidiocese de Mariana tiveram a dita de vê-lo nos púlpitos de suas igrejas, desde os primeiros anos de sacerdote até quando a moléstia, que o vitimou — e fez que na terra, fizesse o seu purgatório, — o obrigou a encerrar sua carreira de orador sacro. Nunca subiu ao púlpito sem escrever e decorar o sermão ou prática que pronunciou, quer nas grandes cidades, como nos mais humildes lugares do interior.[9]

 

Rezemos, pois, três Ave Marias em memória do inesquecível padre Antônio Corrêa, um grande benfeitor dos fiéis de Congonhas. Que por tudo que fez pela salvação das almas, ele descanse em paz!



[1] 85º aniversário da chegada dos Irmãos Maristas ao Brasil. In: Arquidiocesano, 17 de outubro de 1982.

[2] O Pharol, 14 de maio de 1904.

[3] O Pharol, 27 de abril de 1905.

[4] Gazeta de Queluz, 21 de outubro de 1906.

[5] Em 1908, por exemplo, a Câmara Municipal de Queluz, hoje Conselheiro Lafaiete, concedeu ao “reverendíssimo padre Antônio Corrêa, vigário de Congonhas do Campo, a quantia de duzentos e cinquenta mil réis para auxílio ais melhoramentos higiênicos por ele empregados patrioticamente no distrito do Redondo, que faz parte de sua freguesia”. In: Gazeta de Queluz, 13 de dezembro de 1908.

[6] Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1954, p. 218.

[7] A União, 17 de agosto de 1919.

[8] Gazeta de Paraopeba, 30 de dezembro de 1945.

[9] Gazeta de Paraopeba, 13 de janeiro de 1946.

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